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terça-feira, 15 de março de 2005

Dia de Trabalho

Se há coisa que eu não consigo perceber é o facto de as pessoas não optarem pelos transportes públicos para chegarem ao emprego. É verdadeiramente incompreensível. Uma pessoa mora a uma hora de distância do emprego e tem que sair de casa às 7h45 (para entrar às 8h30) quando podia perfeitamente sair de casa às 8, se não fossem as intermináveis filas. Já não basta o tempo que perco na portagem com a senhora que se atrapalha toda com o facto de eu pagar 2€ com uma nota de 20, como se fosse alguma coisa do outro mundo.

Conclusão: acabo por chegar às 8h45. Claro que é exactamente a hora em que o segurança foi à casa de banho. Mais 5 minutos de espera: 8h50. Nem dá tempo para beber um cafezinho! Mal chego perto da máquina do café aparece logo o chefe: “- Já viste que horas são? 8h40!”. 8h40!? Não querem lá ver que tenho o relógio adiantado? Afinal, para além do café ainda dá para um cigarro. O dia até nem está a começar nada mal.

Por volta das 9 lá vou eu pegar na papelada do dia anterior. Hoje parece que o monte ainda está maior do que me lembrava, o melhor é conferir se isto é tudo meu… um por um – é sempre bom ter a certeza. Quando acabo de confirmar (e não é que era o mesmo monte?), decido que o melhor é ir tomar o pequeno-almoço não me vá dar uma quebra de tensão. Assim como assim já são 9h30. Se me atraso já só como umas sandes mistas e o pastel de nata já voou para o prato de um qualquer que não lhe sabe dar o devido valor.

Chego mesmo a tempo. Ainda consigo desencantar na bancada dois bolos com bom aspecto, um sumol de laranja e, claro, o meu pastel de nata. O melhor é ir comendo com calma para não me cair na fraqueza.

Ás 10h10 volto a descer e vou directamente à máquina do café. Ainda só bebi um o que, convenhamos, não dá para acordar decentemente. Claro que com o café tenho que fumar um cigarro, não se pode saborear um café sem um cigarro. Vinte minutos depois lá me arrasto para o monte de papéis novamente. Continuo a desconfiar que aquilo não é tudo meu. O melhor é voltar a confirmar, como ainda só tinha bebido um café é natural que não tivesse visto as coisas bem.

Ás onze chego à triste conclusão de que afinal é mesmo o meu monte. Ainda penso certificar-me novamente mas, no preciso momento em que me preparo para agarrar a primeira folha aparece o chefe. Quer que eu procure um processo que já toda a gente procurou e não encontraram. Ninguém tem a certeza que o dito processo possa sequer existir. Circulam rumores, assim a modos que um mito, de que foi visto uma vez pelo Sr. Antunes. Parece que, quando o Sr. Antunes entrou para o arquivo ainda o teve nas mãos, mas ninguém o conseguiu provar. Até porque o homem já se reformou vai para 20 anos e desde então ficou incontactável… vá-se lá saber porquê. Subitamente, enquanto o chefe vira costas e me larga o mail em cima da mesa, tenho a sensação de ter ouvido a música da Missão Impossível. Isto promete.

Levanto-me lentamente e dirijo-me cabisbaixo para o arquivo com o mail numa mão e a caneta na outra. Como é que vou descalçar esta bota? Um arquivo que mais parece um campo de futebol, com escaparates de 5 níveis cheios até não caber mais nada… O melhor é ir fumar um cigarro e pensar numa solução. Depois de dois cigarros, um café e muita ponderação, acabo por me decidir por uma busca por fases: primeiro uma longa caminhada por todos aqueles corredores de papel, uma pesquisa visual. Se não der frutos, logo me preocupo em pesquisar processo a processo.

A meio do meu “passeio” começo a sentir um buraco no estômago. Pudera! Já são 12h15. O melhor é sentar-me um pouco e aguardar pela hora do almoço, só faltam 15 minutos.

Depois de um almoço fortificante, acabo por me deixar levar pelo cansaço de uma manhã de trabalho e adormeço ao som do rádio do carro. Lá pelas 13h30 acordo sobressaltado pela buzina de um camião. Não há condições! O melhor é ir até ao bar e beber um café antes de me embrenhar novamente no trabalho. Depois do café, lá volto à rotina. Já não me lembro em que corredor do arquivo ia, o melhor é começar do início.

Por volta das 15h30 acabo a primeira fase do meu plano. E ainda bem, é mesmo hora da pausa da tarde. Mais um cigarro para disfarçar a vontade de beber outro café. No rádio está a tocar uma música que já não ouvia há muito tempo… vou ficar a ouvir e a saborear as recordações.

Ainda só são 16h. Vou colocar a segunda parte do plano em marcha. Começo na primeira fila de processos e… o que é isto em frente dos meus olhos?? O 26020.5!?!!? Esfrego os olhos com descrença (o que me valeu um valente ardor, o melhor é ir lavar a cara). Quando volto, 15 minutos depois – que o raio do ardor estava difícil de passar – nem acredito: é mesmo o processo que ninguém acreditava existir. Tenho perante mim um verdadeiro mito! Quando estico a mão para o agarrar um alarme começa a ressoar dentro de mim. Se eu entrego o processo, sendo isto 16h10, o mais certo é levar com outro pedido. Sem dar nas vistas, coloco outros processos de modo a que o escondam, não sem antes voltar a dar uma olhadela naquela preciosidade. Volto-me disfarçadamente e afasto-me o mais rapidamente possível do local. Retomo a busca o mais longe possível, fingindo procurar até que o relógio me diz, finalmente, que chegaram as 17h25. O melhor é ir buscar o casaco onde o deixei, porque a caminhada ainda é longa e eu não quero atrasar-me na hora de saída, até porque ninguém me paga as horas extra. Amanhã voltarei para olhar novamente para a minha descoberta.

Entro no carro. Estou estafado, nem sinto as pernas. Não sei se consigo aguentar mais um dia desgastante como este. Ligo o motor e preparo-me para voltar a enfrentar as amaldiçoadas filas. Mais uma vez não vou conseguir chegar a casa antes das 18. Maldita gente que não sabe usar os transportes públicos!

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