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quinta-feira, 8 de janeiro de 2004

Em Paz

Um vulto passou lentamente por entre as árvores junto ao moinho, a idade avançada pesando sobre os ombros vergados à passagem dos anos.
Palmilhara os mesmos caminhos que tinha cruzado enquanto jovem, e não o fazendo com a mesma desenvoltura de outrora, a alegria que lhe percorria o corpo a cada pulsar do débil coração, era a mesma do petiz irrequieto e curioso que em tempos fora.
Já cansado, sentou-se na pedra que sempre ali estivera, banhada pelo rio revolto. Um trono de reis sem reino mortal, mas senhores do maior dos reinos: a liberdade.
Recordou tempos idos, alegrias partilhadas, tristezas que o acanhamento impediu de compartilhar. Relembrou as aventuras amorosas que tanto lhe ensinaram e, acima de tudo, o maior amor da sua vida, que o acompanhou pelos altos e baixos para só o abandonar na hora de cumprir a promessa nupcial: “até que a morte os separe”. Lamentou todos os impossíveis que desejou, relegando para o desprezo os possíveis ali tão perto. Fez desfilar pela sua mente amigos passados e agora perdidos para o destino final que a todos chama e a ninguém esquece.
Perdido num mar de recordações, deixou-se escorregar, deitando-se na primaveril erva verdejante dos campos. Olhou o céu de um azul que agora lhe parecia mais belo do que nunca e onde deslizavam nuvens de algodão cujas formas apenas às mentes mais férteis era permitido decifrar.
- ‘Valeu a pena’ pensou ‘fui feliz’.
Em paz consigo mesmo, deixou-se adormecer para não mais despertar.

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